As civilizações dos grandes vales fluviais
A história da civilização ocidental teve origem no Oriente, há mais de 5 mil anos. Nessa região, alguns povos, já sedentarizados, haviam elaborado a escrita, desenvolvido formas complexas de sociedade e atividades organizadas de trabalho, produzido notáveis obras artísticas, organizado governos com estruturas bem definidas e leis que disciplinavam a vida e os interesses das comunidades. A complexidade dessas culturas permite aos historiadores chamá-las de “grandes civilizações”. Seria o Oriente Médio, portanto, o “berço da civilização ocidental”.
Os cientistas já mapearam parcialmente as grandes migrações ocorridas na Terra, quando o clima se alterou em decorrência do fim da última glaciação no final do Período Neolítico. Não por acaso, as mais antigas civilizações desenvolveram-se às margens de grandes rios. Esse fenômeno se manifestou em várias regiões: Egito, Mesopotâmia, Índia e China são chamados “civilizações hidráulicas”.
A civilização egípcia
O Egito foi ocupado muito remotamente por grupos nômades africanos. Posteriormente, povos procedentes da Ásia, como o camita, teriam atravessado a região do Sinai e se instalado no delta do rio Nilo.
O Egito antigo, no geral, foi território relativamente fechado durante milênios, de sorte que não sofreu muitas invasões dos povos que permaneciam nômades. Isolados, protegidos ao norte pelo mar Mediterrâneo, a leste e a oeste pelos desertos, e ao sul pelas cataratas do rio Nilo, os egípcios criaram uma complexa cultura, notável por sua originalidade e seu conservadorismo.
Aspectos geográficos
O nordeste da África é uma região seca e desértica. O Nilo, um dos mais longos rios do mundo, nascido no centro do continente, cruza o deserto em busca do Mediterrâneo, onde desemboca formando um grande delta. Na época das cheias, deposita em suas margens sedimentos extremamente férteis (húmus), o que torna o solo muito fértil. Assim, é possível, tanto no vale quanto no delta, a presença numerosa de pessoas. Sem dúvida, é bem apropriada a famosa frase do historiador grego Heródoto: “O Egito é uma dádiva do Nilo”. Pode-se dizer que o Egito é um verdadeiro oásis.
O regime das cheias do rio está associado às chuvas em suas cabeceiras. Certamente, as cheias no Egito eram, e ainda são, relacionadas com boas colheitas e prosperidade. Essa ciclotimia, ou seja, enchentes e vazantes anuais que se repetem, contribuiu decisivamente para a formação de uma civilização original. O calendário era uma consequência do regime do rio, cujas águas alcançam maior volume por volta de junho, quando os sedimentos férteis são depositados nas margens. Aos camponeses cabia a tarefa de aproveitá-los, cultivando o solo, em um modo de vida tradicional, pacato e pacífico.
O Egito pré-dinástico
O Nilo favoreceu a sedentarização dos grupos humanos. O volume e a perenidade de suas águas facilitaram a abertura de canais de irrigação, ampliando as áreas cultiváveis. As comunidades primitivas (nomos), agrupamentos de famílias, possuíam um chefe (nomarca) que organizava e administrava o trabalho coletivo.
O crescimento populacional, a multiplicação das comunidades, a facilidade de transportes e comunicações pelo Nilo estimularam a união dos nomos, surgindo, assim, com o decorrer do tempo, dois reinos, o do Norte (delta do Nilo ou baixo Egito) e o do Sul (vale do Nilo ou alto Egito), que lutaram pela hegemonia política. Menés, rei do alto Egito, derrotou seu rival do Norte e unificou o país por volta de 3200 a.C., pondo sobre sua cabeça a dupla coroa, branca e vermelha, e estabelecendo a capital do reino em Mênfis. Iniciava-se a administração unificada do Egito antigo. Houve, ao todo, 30 dinastias que o governaram ao longo de quase três milênios, e sua história pode ser dividida em três grandes períodos: Antigo Império, Médio Império e Novo Império, com fases intermediárias.
Antigo Império (3200 a 2200 a.C.)
Durante esse período, os egípcios viveram em isolamento quase total dos outros povos. O faraó detinha o poder máximo; era considerado um juiz supremo, encarnação de Hórus, filho do deus Rá. Sua existência era fundamental, pois ele até ordenava que o Nilo “nascesse e renascesse” anualmente, conforme a crença geral. É desse período a construção das famosas pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos, nomes de importantes faraós.
Uma poderosa nobreza fundiária (descendentes dos antigos nomarcas) cooperava na administração e exploração dos camponeses. Os nobres apoiaram o poder do faraó até o momento em que este lhes garantiu uma posição social. Quando se sentiram suficientemente seguros e fortes, passaram a disputar o poder, ocorrendo um período de anarquia que pôs fim ao Antigo Império.
Médio Império (2100 a 1750 a.C.)
Com o apoio da classe sacerdotal de Tebas, temerosa do poder da nobreza, uma nova dinastia passou a governar a partir dessa cidade. Restabelecida a ordem interna, a produção agrícola se expandiu, consequentemente à ampliação de canais de irrigação. O Egito tornava-se o celeiro do Oriente Médio, rompendo seu isolamento tradicional. O comércio, interno e externo, tornava-se bastante ativo, quer na bacia do Nilo, quer no Mediterrâneo, mas a prosperidade cobrou um preço: atraiu povos asiáticos, guerreiros e nômades, que invadiram o Egito. Um povo semita invadiu e ocupou o país: os hicsos. Dotados de armamentos de ferro, de ousadas táticas militares e de cavalos, animais até então desconhecidos no Egito, os invasores derrotaram as forças do faraó e dominaram o país. O domínio hicso facilitou o estabelecimento de hebreus na região, por serem também semitas.
Novo Império (1580 a 1085 a.C.)
Por volta de 1580 a.C., os hicsos foram expulsos, restaurando-se a independência política do Egito. Mas havia uma nova realidade. Os egípcios aprenderam a arte de guerrear. Iniciava-se a época da expansão territorial. As fronteiras do império foram ampliadas, e povos, conquistados, formando-se um grande império. A economia assumia um caráter dinâmico, com a animação do comércio urbano no delta do Nilo e intensas relações com a Fenícia e a Mesopotâmia.
A reforma religiosa de Amenófis
O poder da classe sacerdotal era imenso. Rivalizava com o do faraó; em muitas ocasiões até o sobrepunha. O faraó Amenófis IV levantou-se contra o politeísmo tradicional e a ameaça do clero. Ele determinou o fechamento de muitos templos e distribuiu as terras pertencentes ao clero. Instituiu, ainda, o culto a um deus supremo, Aton (Sol). Erradamente, muitos historiadores consideram essa reforma como a primeira religião monoteísta no mundo. Na verdade, os demais deuses não desapareceram. Foram relegados a uma posição inferior a Aton. Amenófis organizou uma nova classe sacerdotal a ele subordinada e adotou o nome de Aquenáton, ou seja, “filho de Aton”. A arte logo refletiu essa mudança: liberta da influência sacerdotal tradicional, a pintura passou a retratar com mais realidade os personagens, ganhando movimentos, leveza e graciosidade. Foi uma verdadeira revolução cultural.
Com a morte do faraó Aquenáton, contudo, a reforma não se manteve. O clero voltou ao poder e reassumiu o controle do Estado. Grandes templos, então, foram construídos em Luxor e Karnak.
Ocupação do Egito
Por volta de 670 a.C., os assírios, oriundos da Mesopotâmia, invadiram e conquistaram o Egito. Um novo governo independente instalou-se na cidade de Saís, no delta do Nilo. Houve uma nova expansão do comércio, com a abertura de um canal ligando o Nilo ao Mar Vermelho. Acredita-se que barcos fenícios, a serviço dos faraós, tenham circum-navegado o continente africano, muitos séculos antes dos portugueses. Os historiadores denominam esta fase da história egípcia de “Renascimento Saíta”.
Mas a autonomia dos egípcios estava definitivamente comprometida em razão de sua riqueza. Novas invasões se sucederam: os persas em 525 a.C., os macedônios em 332 a.C. e os romanos em 30 a.C.
Sistema socioeconômico
A sociedade dividia-se, basicamente, entre os que se apossaram das terras e aqueles que tinham apenas a força de trabalho. As melhores terras ficaram nas mãos dos mais fortes militarmente (nobreza), que, com o apoio dos sacerdotes e sob a proteção dos deuses, controlavam os trabalhadores.
O topo da pirâmide social era ocupado pelo faraó e sua família. Considerado inicialmente descendente dos deuses, chegou a ser um deles, identificado, ao longo do tempo, ora com Hórus, ora com Amon-Rá e, até mesmo, com Osíris, deus considerado o criador do Egito. Os sacerdotes fortaleciam o poder do faraó, ocupando, assim, uma posição privilegiada com a nobreza fundiária. Os funcionários, como os escribas, “os que sabiam ler e escrever”, demarcavam as propriedades, conferiam a produção e o armazenamento dos cereais (trigo e cevada), controlavam os rebanhos e coletavam os impostos dos camponeses.
Os camponeses formavam a grande camada popular, encarregados de arar a terra, semear, cuidar da plantação, colher, abrir canais, construir reservatórios. Viviam sob o regime de servidão. Na época de menor necessidade de mão de obra na lavoura, boa parte deles era empregada na construção de monumentos. Os artesãos, como se pode deduzir pelas pinturas murais, eram bastante numerosos. Os mais hábeis trabalhavam para a elite. Faziam belas peças de adorno, utensílios, estatuetas, máscaras funerárias, tecidos, peças de vestuário e objetos do mobiliário. Os escravos eram pouco numerosos, pois as guerras eram raras, pelo menos até o Novo Império.
O politeísmo egípcio
A religião egípcia se formou no período pré-dinástico, quando havia uma série de cultos dedicados aos símbolos totêmicos (representação de animais, plantas ou objetos sagrados, tidos como ancestrais protetores de tribos ou clãs). Cada nomo tinha seu deus protetor. À medida que os nomos se agrupavam, o número de deuses crescia. Deuses animais (zoomórficos), com forma meio humana e meio animal (antropozoomórficos) e forma humana (antropomórficos) ocupavam o imaginário religioso egípcio antigo, como Anúbis, com cabeça de chacal sobre corpo humano; Hórus, o falcão protetor do faraó; Ápis, o boi; Hator, a vaca; além dos elementos da natureza, como Set (o vento), Osíris (o Nilo), Rá (o Sol).
Acreditava-se em um julgamento da alma após a morte, quando Osíris então colocaria em uma balança o coração do morto para julgar seus atos. Os justos e os bons iriam para o Paraíso, enquanto os maus, tendo seu coração devorado por Anúbis, seriam condenados a viver nas trevas.
A religião egípcia mandava que se conservassem os corpos: os das pessoas mais importantes eram mumificados; os corpos das pessoas das camadas inferiores, por sua vez, eram submetidos a processos mais simples. O processo de mumificação era parte do culto dos mortos, bastante acentuado na vida desse povo.
Seguiam-se à morte as cerimônias fúnebres, que terminavam com a colocação das múmias em sarcófagos. Era um complicado processo de embalsamamento do corpo, uma preparação do invólucro terreno da alma, visando a conservá-lo à sua espera. A mumificação propiciou, por outro lado, um grande conhecimento de anatomia, até hoje reconhecido.
Relações entre religião e arte
A arquitetura era a principal manifestação artística dos egípcios, fortemente influenciada pela religião. As principais edificações, monumentais em suas dimensões, foram os túmulos (mastabas, pirâmides e hipogeus), templos e palácios.
Os templos eram considerados moradias pessoais dos deuses. Eram obras imponentes, sustentadas por enormes colunas e ornamentadas com estátuas colossais de divindades e faraós. Entre os túmulos, destacavam-se as pirâmides, cujas técnicas de construção ainda hoje intrigam engenheiros e historiadores e continuam sendo objetos de estudo. Outro tipo de construção tumular eram os hipogeus, escavados diretamente nas rochas. Para dificultar a ação de bandidos, os túmulos tinham passagens secretas, verdadeiros labirintos, muitas estátuas de deuses e salas pintadas, visando à proteção e à garantia de permanência do corpo embalsamado. Tudo em vão. Os saques aconteceram desde a Antiguidade.
A escultura era predominantemente religiosa, com a representação dos incontáveis deuses. Quando a estátua representava um faraó, um sacerdote ou um nobre, ela substituía o risco da destruição física causada pela morte. Os sarcófagos eram esculpidos de vários materiais, como madeira e granito. A pintura egípcia, além dos temas do cotidiano, retratava cenas religiosas e temas funerários, em geral acompanhados de descrições hieroglíficas, normalmente encontradas nas câmaras mortuárias.
As figuras humanas eram retratadas segundo o princípio da frontalidade (a cabeça e as pernas de perfil, um olho e o tronco de frente). O tamanho das figuras correspondia ao grau de hierarquia social, ou seja, o faraó era representado em tamanho maior; seguindo-se sua mulher, os sacerdotes e os nobres, as pessoas da corte e os militares, em tamanhos cada vez menores. Finalmente, as pessoas do povo, bem diminutas.
Ciências, letras e música
Os egípcios destacaram-se na matemática, na astronomia, na engenharia e na medicina. Elaboraram um calendário solar com 365 dias e dividiram o dia em 24 horas. Dez dias formavam uma “semana” e três “semanas” formavam um mês. Havia cinco dias adicionais. Para marcar as horas, usavam relógios solares, estelares e clepsidras (relógio d’água). Na matemática, desenvolveram a geometria, devido à necessidade de medir as terras agrícolas e erguer grandes construções. Na medicina, tinham médicos especializados em várias doenças. Faziam cirurgias, utilizando, inclusive, um tipo de anestésico. Sabiam cuidar de fraturas e curar feridas e conheciam as propriedades de certas ervas. Conheciam a anatomia humana, o papel do coração e o significado da pulsação.
Escreviam principalmente em um papel feito do papiro, abundante nas margens do Nilo. O miolo do papiro era cortado, as partes eram ligadas umas às outras e prensadas, formando rolos. Os egípcios deixaram vários livros escritos, a maioria sobre temas religiosos, como o famoso Livro dos Mortos.
O povo egípcio exerceu grande influência cultural sobre vários povos, vizinhos ou distantes. A geometria, largamente apreciada pelos gregos na Antiguidade, é uma criação egípcia. Curiosamente, geometria é uma palavra etimologicamente grega.
Os hieróglifos e sua decifração
A escrita egípcia, chamada pelos gregos de hieróglifos (escrita sagrada), surgiu antes de 3000 a.C. e durante muito tempo ousou desafiar os estudiosos interessados em sua decifração. Coube a Champollion, sábio francês, nas primeiras décadas do século XIX, o mérito de entendê-la. Comparando pacientemente um texto em grego clássico, em demótico (escrita egípcia popular, mais simplificada) e em hieróglifo, existentes na Pedra de Roseta (atualmente pertencente ao Museu Britânico, em Londres), um achado arqueológico da campanha de Napoleão no Egito, decifrou a escrita egípcia, dando início à Egiptologia. Com isso, abriu-se um largo campo para se resgatar o passado dessa civilização. Com mais de 600 símbolos gráficos, os hieróglifos, escritos e pintados principalmente em papiro, eram vinculados à função religiosa.
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