Como fazer demonstrações por prova direta
Agora vamos ver como provar teoremas e há diversas estratégias para fazer isso. Nesse post veremos uma técnica chamada prova direta.
Antes de começarmos é bom ter em mente o significado de algumas palavras chaves: teorema, prova, definição, lema e corolário.
Teorema
Um teorema é uma declaração matemática verdadeira cuja validade (já foi) e pode ser verificada.
O que é prova
A prova de um teorema é uma verificação escrita que mostra que o teorema é definitivamente e inequivocamente verdadeiro.
O que é proposição?
Uma proposição é uma declaração que é verdadeira e pode ser provada, mas não é tão significante quanto um teorema.
O que é um lema?
Um lema é um teorema cujo objetivo principal é ajudar a provar um outro teorema.
O que é corolário?
Um corolário é um resultado obtido como consequência imediata de um teorema ou proposição.
Definições
Definição 1.1
Um inteiro \(n\) é par se \(n = 2.a\) para qualquer a \(\in \mathbb{N}\)
Definição 1.2
Um inteiro \(n\) é ímpar se \(n = 2.a + 1\) para qualquer a \(\in \mathbb{N}\)
Definição 1.3
Dois inteiros quaisquer tem a mesma paridade se ambos são ímpares ou ambos são pares. Caso contrário possuem paridade oposta.
Definição 1.4
Supondo que \(a\) e \(b\) sejam inteiros. Dizemos que a divide b, escreve-se \(a\;|\;b\), se \(a = ac\) para algum \(c \in \mathbb{Z}\). Nesse caso também dizemos que a é divisor de b, e que b é múltiplo de a.
Definição 1.5
Um número \(n \in \mathbb{N}\) é primo se possui exatamente dois divisores, \(1\) e \(n\). Se \(n\) possui mais do que dois divisores positivos, \(n\) é chamado de composto. (Assim, \(n\) é composto se e somente se \(n = ab\) para \(1 < a,\; b < n\).)
Definição 1.6
O máximo divisor comum de inteiros \(a\) e \(b\), denotado por \(mdc\left(a,\; b\right)\) é o maior inteiro que divide a e b.
O mínimo múltiplo comum de inteiros \(a\) e \(b\) diferentes de zero, denotado por \(mmc\left(a, b\right)\), é o menor inteiro \(n \in \mathbb{N}\) que é múltiplo tanto de \(a\) quanto de \(b\).
Além disso, aceitamos o fato a seguir sem justificação ou prova.
Se \(a\) e \(b\) são inteiros, então a soma, o produto e a diferença são inteiros. Ou seja, se \(a, b \in \mathbb{Z}\), \(a \; -\; b \in \mathbb{Z}\), \(a \; -\; b \in \mathbb{Z}\) e \(ab \in \mathbb{Z}\).
Algoritmo da divisão
Dados inteiros \(a\) e \(b\) com \(b > 0\), existem e são únicos os inteiros \(q\) e \(r\) tal que \(a = qb + r\) e \(0 \leq r < b\).
Fatoração única
Por enquanto aceitaremos sem prova o fato de que todo número natural maior do que 1 tem uma fatoração única em números primos. Por exemplo: 12 pode ser fatorado em \(2^{2} \cdot 3\) por única queremos dizer que qualquer fatoração de 12 em números primos resulta nos mesmos fatores primo (dois números 2 e um número 3). De tanto fatorar números em fatores primos podemos até achar óbvio o fato de que não é possível ter diferentes fatorações com um mesmo número, mas esse é um resultado fundamental cuja prova não é tão transparente. Por enquanto aceitaremos que qualquer número natural maior do que 1 tem fatoração única.
Prova direta
Estabelecida nossas definições vamos iniciar com as provas diretas.
Proposição: se P então Q.
Essa proposição é uma declaração condicional da forma \(P \Rightarrow Q\). Nosso objetivo é mostrar que essa declaração condicional é verdadeira. Vamos começar olhando a tabela verdade para \(P \Rightarrow Q\).
P | P | \(P \Rightarrow Q\) |
T | T | T |
T | F | F |
F | T | T |
F | F | T |
A tabela mostra que se P é falso, a declaração \(P \Rightarrow Q\) é automaticamente verdadeira. Isso significa que se estamos querendo mostrar que \(P \Rightarrow Q\) é verdadeira então não precisamos nos preocupar com as situações em que P é falso. Mas devemos se cuidadosos com as situações em que P é verdadeira. Devemos mostrar que a condição de P ser verdadeira força Q ser verdadeira também, ou seja, a segunda linha da tabela não pode acontecer.
Esboço para prova direta
Proposição. Se P então Q.
Prova. Supondo P
…
Então Q.
Como você pode ver a configuração da prova é extremamente simples. A primeira linha da prova é a sentença “Suponha P.” A última linha é a sentença “Portanto Q”. É comum usar a palavra “Prova” para indicar o início de uma prova, e um quadradinho preto (que não foi possível indicar aqui mas você pode ver como é na vídeo aula) para indicar o fim.
Prove que se \(x\) é ímpar então \(x^{2}\) é ímpar.
Primeiro preenchemos e esboço para a demonstração:
Proposição. Se \(x\) é ímpar então \(x^{2}\) é ímpar.
Prova. Supondo que x é ímpar.
Então \(x^{2}\) é ímpar.
Agora precisamos preencher o espaço no meio com uma cadeia de raciocínio que mostra que x sendo impar força \(x^{2}\) ser ímpar. Para fazer isso é sempre recomendado usar qualquer definição que se aplique ao caso. A primeira linha diz que x é ímpar, e pela definição 1.2 temos que \(x = 2n + 1\) para qualquer \(n \in \mathbb{Z}\), então escreveremos isso.
Proposição. Se \(x\) é ímpar então \(x^{2}\) é ímpar.
Prova. Supondo que x é ímpar.
Então \(x = 2n + 1\) para qualquer \(n \in \mathbb{Z}\), pela definição de número impar.
Então \(x^{2}\) é ímpar.
Agora vamos pensar no que esta escrito na ultima linha. Se \(x^{2}\) for um número impar então ele pode ser escrito como \(x^{2} = 2n + 1\) para qualquer \(n \in \mathbb{Z}\) porém \(n\), porém o símbolo \(n\) já aparece na demonstração para representar outra situação então usaremos um símbolo diferente digamos \(a\).
Proposição. Se \(x\) é ímpar então \(x^{2}\) é ímpar.
Prova. Supondo que x é ímpar.
Então \(x = 2n + 1\) para qualquer \(n \in \mathbb{Z}\), pela definição de número impar.
Por isso, \(x^{2} = 2a + 1\) para qualquer a \(\in \mathbb{Z}\)
Então \(x^{2}\) é ímpar.
Agora basta finalizar mostrando por que \(x^{2} = 2a + 1\) para qualquer a \(\in \mathbb{Z}\).
Proposição. Se \(x\) é ímpar então \(x^{2}\) é ímpar.
Prova. Supondo que x é ímpar.
Então \(x = 2n + 1\) para qualquer \(n \in \mathbb{Z}\), pela definição de número impar.
Logo, \(x^{2} = (2n + 1)^{2} = 4a^{2} + 4a + 1 = 2(2a^{2} + 2a) + 1\).
Então, \(x^{2} = 2a + 1\) onde, \(a = 2b^{2} + 2a\) é um inteiro.
Por isso, \(x^{2} = 2a + 1\) para qualquer a \(\in \mathbb{Z}\)
Então \(x^{2}\) é ímpar, pela definição de número primo.
Proposição. Seja \(a,\; b\) e \(c\) inteiros. Se \(a | b\) e \(b | c\), então \(a | c\).
Proposição. Se \(x\) é um inteiro par, então \(x^2 – 6x + 5\) é um ímpar.
Proposição. Se \(a,\; b,\; c \in \mathbb{N}\), então \(mmc(ca, cb) = c \cdot mmc(a, b)\)
Proposição. Seja \(x\) e \(y\) números positivos. Se \(x \leq y\), então \(\sqrt{x} \leq \sqrt{y}\).
Proposição. Se \(x\) e \(y\) são números reais positivos, então \(2\sqrt{xy} \leq x + y\).
Usando casos
As vezes para provar que uma declaração é verdadeira, temos que examinar diversos casos para mostrar que é válido em todos os possíveis cenários. Vamos ver alguns exemplos:
Observe a expressão: \(1+(-1)^{n}(2 n-1)\) e observe a tabela mostrando vários valores para n. Veja que são sempre múltiplos de 4.
\begin{array}{c|c} n & 1+(-1)^{n}(2 n-1) \\ \hline 1 & 0 \\ 2 & 4 \\ 3 & -4 \\ 4 & 8 \\ 5 & -8 \\ 6 & 12 \\ 7 & -12 \end{array}
Será que a expressão sempre resulta num múltiplo de 4? Note que a expressão se comporta diferente dependendo do valor de n. Para o caso em que n é par \((-1)^n = 1\), se n for impar \((-1)^n = -1\). Sendo assim, na prova devemos examinar essas duas possibilidades.
Proposição. Se \(n \in \mathbb{N}\), então \(1+(-1)^{n}(2 n-1)\) é um múltiplo de 4.
Proposição. Todo múltiplo de 4 é igual a … para algum \(n \in \mathbb{N}\)
Proposição. Se dois inteiros possuem paridade oposta, então a soma deles é impar.
Usando “sem perda de generalidade…” essa frase é uma forma comum de assinalar que a prova esta tratando apenas um de vários casos idênticos.
Exercícios
1. Se x é um inteiro par, então \(x^{2}\) é par.
2. Se x é um inteiro ímpar, então \(x^{3}\) é ímpar.
3. Se a é um inteiro ímpar, então \(a^{2} + 3a + 5\) é ímpar.
4. Suponha \(x, \; y, \in \mathbb{Z}\). Se \(x\) e \(y\) são ímpares, então \(xy\) é ímpar.
5. Suponha \(x, \; y, \in \mathbb{Z}\). Se \(x\) e \(y\) são pares, então \(xy\) é par.
6. Suponha \(a, b, c \in \mathbb{Z}\). Se \(a \mid b\) e \(a \mid c\), então \(a \mid(b+c)\).
7. Suponha \($a, b \in \mathbb{Z}\). Se \(a \mid b\), então \(a^{2} \mid b^{2}\).
8. Suponha \(a\) um inteiro. Se \(5 \mid 2 a\), então \(5 \mid a\).
9. Suponha \(a\) um inteiro. Se \(7 \mid 4 a\), então \(7 \mid a\).
10. Suponha que \(a\) e \(b\) sejam inteiros. Se \(a \mid b\), então \(a \mid\left(3 b^{3}-b^{2}+5 b\right)\).
11. Suponha \(a, b, c, d \in \mathbb{Z}\). Se \(a \mid b\) e \(c \mid d\), então \(a c \mid b d\).
12. Se \(x \in \mathbb{R}\) e \(0<x<4\), Então \(\frac{4}{x(4-x)} \geq 1\).
13. Suponha \(x, y \in \mathbb{R}\). Se \(x^{2}+5 y=y^{2}+5 x\), então \(x=y\) ou \(x+y=5\).
14. Se \(n \in \mathbb{Z}\), então \(5 n^{2}+3 n+7\) é impar. (Tente por casos.)
15. Se \(n \in \mathbb{Z}\), então \(n^{2}+3 n+4\) é par. (Tente por casos.)
16. Se dois números inteiros tem a mesma paridade, então, a soma é par. (Tente por casos.)
17. Se dois números inteiros tem a paridade oposta, então o produto entre eles é par.
18. Suponha \(x\) e \(y\) sejam números reais positivos. Se \(x<y\), então \(x^{2}<y^{2}\).
19. Suponha \(a, b\) e \(c\) sejam inteiros. Se \(a^{2} \mid b\) e \(b^{3} \mid c\), então \(a^{6} \mid c\).
20. Se \(a\) é um inteiro e \(a^{2} \mid a\), então \(a \in{-1,0,1}\).
21. Se \(p\) é primo e \(k\) é um inteiro tal que \(0<k<p\), então \(p\) divide \(\left(\begin{array}{l}p \ k\end{array}\right)\).
22. Se \(n \in \mathbb{N}\), então \(n^{2}=2\left(\begin{array}{c}n \ 2\end{array}\right)+\left(\begin{array}{l}n \ 1\end{array}\right)\). (Você talvez precise separar um caso para \(n=1\).)
23. Se \(n \in \mathbb{N}\), então \(\left(\begin{array}{c}2 n \ n\end{array}\right)\) é par.
24. Se \(n \in \mathbb{N}\) e \(n \geq 2\), então os números \(n !+2, n !+3, n !+4, n !+5, \ldots, n !+n\) são todos compostos. (Assim, para qualquer \(n \geq 2\), podemos encontrar \(n-1\) números compostos consecutivos. Isso significa que existem “lacunas” arbitrariamente grandes entre os números primos.)
25. Se \(a, b, c \in \mathbb{N}\) e \(c \leq b \leq a\), então \(\left(\begin{array}{c}a \ b\end{array}\right)\left(\begin{array}{c}b \ c\end{array}\right)=\left(\begin{array}{c}a \ b-c\end{array}\right)\left(\begin{array}{c}a-b+c \ c\end{array}\right)\).
26. Todo números inteiro impar é a diferença entre dois quadrados perfeitos. (Exemplo: \(7=4^{2}-3^{2}\), etc.)
27. Suponha \(a, b \in \mathbb{N}\). Se \(\operatorname{ged}(a, b)>1\), então \(b \mid a\) ou \(b\) não é primo.
28. Seja \(a, b, c \in \mathbb{Z}\). Suponha \(a\) e \(b\) sejam ambos diferentes de zero, e \(c \neq 0\). Prove que \(c \cdot \operatorname{ged}(a, b) \leq\) \(\operatorname{gcd}(c a, c b)\).
Exercícios do livro:
Book of Proof Edition 3.3© 2018 by Richard Hammack
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